Papa a bispos: pode-se viver a alegria cristã ignorando o gemido das crianças?

03 de janeiro de 2017

Papa Francisco envia Carta aos bispos do mundo inteiro por ocasião da Festa dos Santos Inocentes, celebrada no dia 28 de dezembro.

Por Rádio Vaticano

"Hoje, entre o nosso povo, infelizmente, ouve-se ainda a lamentação e o pranto de tantas mães, de tantas famílias, pela morte dos seus filhos, dos seus filhos inocentes”: é o que afirma o Papa Francisco na Carta enviada aos bispos do mundo inteiro por ocasião da Festa dos Santos Inocentes, celebrada na última quarta-feira, 28 de dezembro.

papaencontromundialdasfamilias“Faz-nos bem ouvir uma vez mais este anúncio; ouvir dizer de novo que Deus está no meio do nosso povo. Esta certeza, que renovamos de ano para ano, é fonte da nossa alegria e da nossa esperança.” Como pastores – evidencia – “fomos chamados para ajudar a fazer crescer esta alegria no coração do nosso povo. É-nos pedido que cuidemos desta alegria”, exorta Francisco.

A nosso malgrado, o Natal é acompanhado também pelo pranto, observa o Pontífice lembrando que os evangelistas anunciam-nos o nascimento do Filho de Deus envolvido também numa tragédia de dor.

O evangelista Mateus apresenta-nos essa tragédia com grande crueza, citando o profeta Jeremias: «Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e um grande pranto; é Raquel que chora os seus filhos» (2, 18). É o gemido de dor das mães que choram a morte de seus filhos inocentes, causada pela tirania e desenfreada sede de poder de Herodes.

Trata-se de “um gemido que podemos continuar a ouvir também hoje, que nos toca a alma e que não podemos nem queremos ignorar ou silenciar”, acrescenta o Santo Padre na Carta aos bispos.

“Contemplar o presépio, isolando-o da vida que o circunda, seria fazer do Natal uma linda fábula que despertaria em nós bons sentimentos, mas privar-nos-ia da força criadora da Boa Nova que o Verbo Encarnado nos quer dar”, observa o Papa, advertindo que essa “tentação existe”.

“Pode-se viver a alegria cristã, voltando as costas a estas realidades? Pode-se realizar a alegria cristã, ignorando o gemido do irmão, das crianças?” – pergunta-se Francisco.

“Hoje, tendo por modelo São José, somos convidados a não deixar que nos roubem a alegria; somos convidados a defendê-la dos Herodes dos nossos dias.” A coragem para a proteger dos novos Herodes dos nossos dias, que malbaratam a inocência das nossas crianças.

“Uma inocência dilacerada sob o peso do trabalho ilegal e escravo, sob o peso da prostituição e da exploração. Inocência destruída pelas guerras e pela emigração forçada com a perda de tudo o que isso implica. Milhares de crianças nossas caíram nas mãos de bandidos, de máfias, de mercadores de morte cuja única coisa que fazem é malbaratar e explorar as suas necessidades.”

Apenas como exemplo, hoje, por causa das emergências e das crises prolongadas, 75 milhões de crianças tiveram de interromper sua instrução, cita Francisco na missiva enviada aos bispos, trazendo outros dados:

“Vivemos num mundo onde quase metade das crianças que morrem com menos de 5 anos é por desnutrição. Calcula-se que, no ano de 2016, 150 milhões de crianças realizaram um trabalho infantil, muitas delas vivendo em condições de escravidão.”

“Segundo o último relatório elaborado pelo UNICEF – acrescenta o Papa –, se a situação mundial não mudar, em 2030 serão 167 milhões as crianças que viverão em pobreza extrema, 69 milhões de crianças com menos de 5 anos morrerão entre 2016 e 2030, e 60 milhões de crianças não frequentarão a escolaridade básica.”

Em seguida, o Santo Padre faz uma premente exortação aos bispos do mundo inteiro:
“Ouçamos o pranto e a lamentação destas crianças; ouçamos também o pranto e a lamentação da nossa mãe Igreja, que chora não apenas pela dor provocada aos seus filhos mais pequeninos, mas também porque conhece o pecado de alguns dos seus membros: o sofrimento, a história e a dor dos menores que foram abusados sexualmente por sacerdotes.”

“Pecado que nos cobre de vergonha. Pessoas que tinham à sua responsabilidade o cuidado destas crianças, destruíram a sua dignidade. Deploramos isso profundamente e pedimos perdão. Solidarizamo-nos com a dor das vítimas e, por nossa vez, choramos o pecado: o pecado que aconteceu, o pecado de omissão de assistência, o pecado de esconder e negar, o pecado de abuso de poder.”

Também a Igreja chora amargamente este pecado dos seus filhos e pede perdão, afirma o Papa aos bispos, expressando o desejo de renovar junto com eles o “empenho total para que tais atrocidades não voltem a acontecer entre nós”.

“Revistamo-nos da coragem necessária para promover todos os meios necessários e proteger em tudo a vida das nossas crianças, para que tais crimes nunca mais se repitam. Assumamos, clara e lealmente, a determinação «tolerância zero» neste campo”, exorta o Papa afirmando, ainda, que “a alegria cristã não é uma alegria que se constrói à margem da realidade, ignorando-a ou fazendo de conta que não existe”.

Compartilhe:

Conteúdo Relacionado