Cheguei onde nunca imaginei: Deus me esperava no coração da Ásia
“É o Senhor quem vai à tua frente. Ele estará contigo, não te deixará e não te abandonará.” (Deuteronômio 31,8)
Por Andrea Leite Carvalho
Silêncio: o idioma universal
Se você já tentou aprender um novo idioma, vai entender o que estou vivendo. Todas as missas são celebradas em russo e os nossos paroquianos, todos falam apenas russo e uzbeco. Tento captar o sentido das frases, mas ainda não consigo distinguir os sons de todas as palavras. Ao mesmo tempo, algo extraordinário acontece: estou aprendendo a ouvir com os olhos e com o coração.

Na ausência das palavras, os gestos ganham voz. Um sorriso se torna idioma. Um pedaço de pão oferecido é uma homilia. Um olhar acolhedor atravessa fronteiras que nenhuma gramática traduziria. E o silêncio — esse companheiro inesperado — deixou de ser um incômodo para se tornar um lugar de encontro com Deus.
Mulheres discretas
As mulheres uzbecas me impressionaram desde o início. Elas não aparecem nos espaços públicos com intensidade, mas se você caminha pela estrada, com certeza encontrará uma mulher que varre a sua calçada, trabalha no mercado ou caminha com os filhos ao cair da tarde. Não falam alto. Não ocupam lugar de destaque. São fortes, trabalham duro, cuidam da casa, dos filhos, dos netos, dos idosos. Estão por trás de tudo o que sustenta a cultura e a família.
No Brasil não é tão diferente, mas nós mulheres temos mais liberdade de trabalhar, conquistamos lugares de destaque na política, nas grandes empresas e até em trabalhos que se consideravam particularmente para homens. Aqui ainda não é aceito ver mulheres trabalhando com homens e se caminham perto de um, geralmente é do esposo. A força delas vem da interioridade. Isso me faz lembrar de Maria - mulher escondida e decisiva. Mulher que tudo guardava no coração. Mulher que não gritava, mas movia o mundo com sua presença silenciosa.

Entre a saudade e o consolo
A saudade é uma presença constante na vida missionária. Ela não passa - aprende-se a conviver com ela. Tenho saudade da família, das músicas nas missas brasileiras, dos encontros de jovens, dos retiros cheios de gente e de partilhas. Tenho saudade da comida com tempero de mãe, do português cheio de expressões carinhosas, dos abraços amigos...
Mas o consolo vem. Vem na criança que sorri na rua. Vem nas pequenas vitórias da língua russa. Vem nas manhãs em que a Palavra de Deus aquece meu coração, vem nas adorações ao Santíssimo onde lembro de cada pessoa querida e daqueles que me pediram orações. Vem, sobretudo, da certeza de que estou onde Deus me quer. E Ele nunca envia sem acompanhar!
Deixe-se surpreender!
A missão começa quando deixamos Deus nos surpreender. Eu achava que evangelizar era trazer Deus para o outro. Aqui, compreendi que é o outro quem revela Deus a mim. Deus já estava neste povo, nesta terra, nesta cultura. Ele me esperava. E quando cheguei, Ele me acolheu com suavidade, sem exigências, como faz com quem ama.
Talvez você que me lê, esteja em um momento de travessia. Talvez Deus esteja te levando para um “Uzbequistão interior” — um lugar onde você não fala a língua, não entende os sinais, não sabe como agir. Eu te digo: vá. Vá com fé. O Senhor sempre chega primeiro. E quando você pisar nesse novo chão, Ele vai te dizer: “Eu já estava aqui”.
A missionária é aquela que confia
Escrevo este artigo com o coração em paz. Não porque tudo está resolvido - ainda tropeço nos verbos russos e na cultura local. Mas porque descobri que ser missionária é viver no presente de Deus, no ser mais que no fazer. Ele não me chama a entender tudo, mas a confiar em tudo!
Não se esqueça: você é missionário ou missionária também! No seu lar, na sua cidade, na sua rotina muitas vezes silenciosa e cansativa. Talvez ninguém perceba, mas Deus nos vê! E Ele vai nos esperar no centro da nossa vocação, como me esperou aqui no coração da Ásia.
*Andrea Leite Carvalho, MC, é missionária no Uzbequistão.